Várias coisas cooperam fatidicamente para produzir aquilo que convém denominar indigestão de Natal. Quando tudo acaba, em meio ao fastio, quase confessamos que teria sido melhor não comemorar a festa magna do cristianismo.
Pelo menos do modo e nas circunstâncias como se fez. (A rigor, não houve comemoração do nascimento de Jesus.)
O Natal no hemisfério sul coincide com o início do verão.
O calor chega de repente e perto do insuportável. A euforia do 13º salário e das gratificações; as intermináveis horas extras; a incontrolável propaganda comercial (“Compre agora e pague no ano que vem”, como se o ano que vem estivesse a uma grande distância…); o Papai Noel usando as mesmas roupas de sempre mais a máscara para se proteger da poluição do ar, segundo Millôr; o excesso de luzes e cores; as puras e belas melodias natalinas usadas indevida e irreverentemente, a todo volume, nos carros, nos carros de propaganda; os cumprimentos na maioria formais (um homem apertou a mão do outro no dia 31 de dezembro e disse-lhe: “Bom Natal!”…) e interesseiros (como o do lixeiro: “aquele que tirou o lixo de sua porta durante todo o ano lhe deseja Feliz Natal” …); o cansaço do ano que se finda; as formaturas, as cerimônias nupciais, as pancadas de chuva, as filas intermináveis dos que querem alguma coisa; a corrida às lojas, aos bancos e ao correio – são as coisas que entram por meio dos sentidos e saturam o homem que se diz ou é cristão, roubando-lhe o espírito do Natal.
Se isto não bastasse, ainda há os comes e bebes – castanhas e nozes,
presunto, vinhos – próprios para outra ocasião e outro clima, que
provocam na verdade indigestão e mal estar físico.
No conjunto, o que fatalmente ocorre é o mesmo fenômeno do primeiro
Natal: no corre-corre de Belém, no egocentrismo e na ignorância dos
habitantes e forasteiros da cidade, não houve lugar para uma mulher dar à
luz a seu filho primogênito, não houve lugar para Ele. E ainda não há.
Que Deus nos perdoe! Amém.
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